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O Teste dos Cargos

Ermance Dufaux
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“Alguns julgam que o título de sócio lhes dá o direito de impor suas maneiras de ver. Daí, opugnações, uma causa de mal-estar que acarreta, cedo ou tarde, a desunião e, depois, a dissolução, sorte de todas as sociedades, quaisquer sejam seus objetivos.” 

 

O Livro dos Médiuns - Cap. 29 - ítem 335

 

As motivações para a presença de alguém no centro espírita são sutis e pessoais. O estudo dessas razões íntimas levam-nos a enxergar as expectativas e interesses de cada qual, espelhando a variedade de necessidades de quem recorre aos serviços doutrinários. Esse estudo será sempre de grande utilidade aos dirigentes para adequar as tarefas e melhor atender as demandas espirituais de profundidade dos que se albergam sob o teto espírita.

O freqüentador de ontem assume hoje a posição de cooperador, e o cooperador de hoje será amanhã o condutor de grupos ou multidões, estendendo o benefício de sua experiência a uma mais ampla gama de projetos. Nesse caminho de crescimento e promoção individual serão encontrados os mais variados testes de aferição no que tange ao aprendizado. As responsabilidades que assumem os trabalhadores conduzem-nos a vivências íntimas de libertação e amadurecimento com as quais a criatura dilatará seu patrimônio nos rumos da auto-realização, da felicidade.

Contudo, até que o aprendiz ajuste o seu campo mental e afetivo aos alvitres do serviço, absorvendo-lhe a essência e finalidade maior, ocorrem desvios naturais e toleráveis que refletem na obra as deficiências do obreiro.

Atinemos para uma das situações que se apresentam como teste valoroso e que, no entanto, tem levado algumas almas bem intencionadas a quedas e distrações lamentáveis. É o teste dos cargos.

Allan Kardec não se furtou de aplicar sobre ele a sua lente de observações sensatas e meticulosas. Vejamos que em nosso ítem de apoio, no capítulo 29 de O Livro dos Médiuns, o Codificador constata a relação existente entre o título de sócio e a visão pessoal que pode estabelecer perturbações ao conjunto, quando o cargo é utilizado para fazer valer direitos.

Os cargos em si mesmos não são o problema. Eles são necessários para a disciplina, a ordem e o progresso das instituições. A relação de apego travada com os cargos é que podem constituir graves problemas para nossas Sociedades.

Em muitos casos, temos observado um processo sutil de apego aos cargos, representando a expectativa subliminar de prestígio e reconhecimento, como forma de compensar a frustração advinda de fracassos e metas não atingidas em várias vivências do ser humano. Não logrando o sucesso desejável em outras áreas, a criatura encontra na posição de comando o “lugar sonhado” para ser bem sucedido e valorizado. Não se sentindo bom pai, bom filho ou boa mãe, bom profissional ou bom colega, bom chefe ou bom vizinho, não alcançando vôos de simpatia junto à convivência, ou ainda não obtendo êxito nos degraus da formação cultural, procura nos cargos a proeminência, a situação de destaque junto aos grupamentos doutrinários, compensando suas frustrações não superadas.

Interessante analisar que existem corações com vivências opostas, bem sucedidos em todas as áreas, no entanto asilando profunda necessidade de projeção pessoal que lhes leva ainda assim a recorrer às faixas dos rótulos: esse é o problema do personalismo.

Na verdade, nessas condições referidas, alguns desses casos são companheiros com baixa auto-estima, não se sentem amados, queridos, e parecem encontrar essa “sensação’ de Amor e respeito no trono das honrarias temporais; alguns foram educados para a vitória nas passarelas do materialismo, onde desfilariam com seus títulos e méritos; outros são realmente Espíritos afeiçoados à vaidade das posições exteriores, com as quais já se acostumaram ao longo dos séculos; outros ainda são apenas os que se iludiram com essa possibilidade de projeção, já que não foram felicitados com a auto-realização nas lições da vida.

A rotina desses corações torna-se algo enfermiço na medida em que vivem seus dias, porque, não encontrando no lar, na profissão e na convivência a alegria e o bem-estar, fogem cada vez mais para a sombra da hierarquia, procurando “descansar” das refregas e descompensações hauridas nesses ambientes, onde seu valor pessoal é recebido com indiferença ou desdém. No centro espírita, porém, ele é “alguém”! É como se a linguagem de seu sentimento dissesse “aqui eu posso, aqui eu sou”. Por sua vez, aqueles enqüadrados nas vivências personalistas serão motivados, cada vez mais, a dependerem de cargos para a continuidade de sua “rotina espírita”, chegando mesmo a afastarem-se da dinâmica doutrinária se não lograrem as honras que se julgam credores.

Evidentemente que nessas situações, a despeito do valor que terá o cargo e o encargo para essas criaturas, as suas possibilidades são escassas para uma direção alvissareira, valorativa das habilidades alheias, ponderada e democrática.

O campo de aprendizado será amplo, mas a atenção dessas criaturas terá que se voltar, sobretudo, para a melhora das condições afetivas. Se o grupamento dirigido não contar as qualidades desejáveis no quadro das virtudes, situações provacionais poderão surgir na aferição dos valores coletivos. Essa tem sido a situação espiritual de muitos grupos sob a égide da filosofia espírita: condutores assumindo ares de onipotência, com os quais se compensam nas necessidades e interesses pessoais, e dirigidos acatando a insensatez em nome de sua “diretriz experiente”, somente porque o companheiro do cargo tenha algumas dezenas de anos como tarefeiro.

O teste dos cargos é uma aferição de desprendimento e humildade. Trazemos no psiquismo milenar experiências muito graves nesse setor.

O processo de hierarquia religiosa nos últimos vinte séculos consolidou hábitos de acentuado egoísmo. As próprias instituições estruturam-se para alimentá-lo através de concessões e privilégios.

O encanto com as posições temporais tem sido vereda de fortalecimento do personalismo e rota de fuga para os frustrados de vários matizes. Razão pela qual, considerando a concepção espírita de hierarquia, assumir responsabilidade junto a rótulos de poder significa teste de competência e abnegação.

Relativamente a cargos e posições de destaque nas fileiras espiritistas, foquemo-los como acréscimo de deveres e ensejo de fazer o bem em mais ampla escala. Naturalmente, com tais posturas o “transbordamento afetivo” poderá vir à tona. Nessa hora façamos continuados auto-exames na verificação de nossas decisões e sentimentos, esforçando-nos sempre para transformar esse tipo de satisfação pessoal em relações afetuosas e devotamento ao bem coletivo, a partir das funções e obrigações da hierarquia, a nós confiada. Carecemos muito de exemplos nesse terreno.

Tem faltado, sobremaneira, atitudes lúcidas de desprendimento das formalidades e cerimônias que incensam o personalismo junto a ocasiões de congraçamento e festa, e também na rotina das instituições, quando então esse exemplo de abnegação pessoal contagiaria outros para que, mais adiante, quando viessem a assumir essas mesmas responsabilidades, respaldassem no exemplo de seus antecessores.

Porém, ainda hoje, temos que assinalar com lamento que, com raras exceções, semelhante atitude anda longe de nossos grêmios de amor.

Falta-nos coragem, talvez um pouco mesmo de criatividade para assumir a escolha de diluir a excessiva aura dos cargos, diminuindo a sua expressividade perante o respeito alheio, deixando crescer o afeto nas relações, acima de quaisquer distanciamentos que possam provocar as convenções.

Estejamos atentos a esses ensejos e encetemos em nós mesmos o compromisso de estar acima das convenções, recordando a profunda e excelente advertência de Jesus, que constitui o melhor e mais feliz projeto para aproveitamento seguro e libertador nas provas do mando: “(...) antes o maior entre vós seja como o menor; e quem governa como quem serve. “ [1]

E o Mestre lionês, objetivando segurança e fidelidade na Sociedade Espírita de Estudos Parisienses, não deixou de assinalar em seu regulamento um artigo de essencial valor para todas as agremiações que se orientam sob a tutela do Espiritismo com Jesus, assim expressando-se: “Artigo 5º - Para ser sócio titular, é preciso que a pessoa tenha sido, pelo menos durante um ano, associado livre, tenha assistido a mais de metade das sessões e dado, durante esse tempo, provas notórias de seus conhecimentos e de suas convicções em matéria de Espiritismo, de sua adesão aos princípios da Sociedade e do desejo de proceder, em todas as circunstâncias, para com seus colegas, de acordo com os princípios da caridade e da moral Espírita. [2]

 

[1] Lucas, capítulo 22, versículo 26

[2)] O Livro dos Médiuns — capítulo 30

 

 

 

Mensagem do livro Laços de Afeto, psicografado pelo médium Wanderley Soares de Oliveira

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