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Dependência Química e Saúde Mental

Sérgio Luis da Silva Lopes [1]

Mais do que nunca, o grave problema das drogas.

 

Dentre os mais dramáticos temas no capítulo das desordens psíquicas e sociais, sem dúvida, o da dependência química se destaca devido à sua repercussão objetiva no contexto da família e da sociedade.

Já não bastassem as chamadas “drogas lícitas”, como o fumo e o álcool, utilizados largamente desde todos os tempos, no limiar da modernidade, onde encontramos as chamadas “drogas ilícitas”, observamos o agravamento sempre progressivo do envolvimento de substâncias atingindo principalmente os jovens. Particularmente, em nosso meio, o advento do “crack” termina por degenerar completamente as estruturas psicossociais. Dizimando vidas, por seu efeito extremamente devastador nas delicadas estruturas neuronais do cérebro, bem como por sua participação nos meandros dos crimes bárbaros é, o crack, o último infeliz personagem da nossa história no âmbito da drogadição.

Com certeza não encontraremos uma causa única para o uso das drogas e, é consenso geral, que sua manifestação é de natureza multifatorial.

A considerar toda a mul­tiplicidade de determinantes causais, já devidamente estudados e aceitos pelos estudiosos do assunto, ainda precisamos acrescentar os fatores de ordem espiritual, esses ainda desconsiderados, na origem e desenvolvimento da problemática da dependência química. O desconhecimento da dimensão espiritual, em todos os seus níveis de importância, acarreta o não atendimento do problema no seu aspecto primordial que é o ser em si, ou seja, o espírito que carrega consigo as marcas reencarnatórias de anteriores existências.

Conforme André Luiz:

...nossas disposições, para com essa ou aquela enfermidade no corpo terrestre, representam zonas de atração magnética que dizem de nossas dívidas, diante das Leis Eternas, exteriorizando-nos as deficiências do espírito.

(André Luiz ­- Ação e Reação, Cap. 19)

 

Ainda na esfera dos fatores espirituais, não podemos deixar de considerar o relevante problema das perturbações espirituais, estabelecendo verdadeiras parasitoses mentais que resultam em quadros graves de patologias do corpo espiritual (perispírito).

Em uma sucinta abordagem panorâmica podemos dividir os tipos de drogas em:

 

 

DROGAS QUE DIMINUEM A ATIVIDADE MENTAL

 

DEPRESSORAS

Diminuem a atividade cerebral. Essas drogas diminuem a atenção, a concentração, a tensão emocional e a capacidade intelectual. Dentre as graves consequências dessas drogas está o potencial para desencadear tolerância e dependência.

 

Exemplo:

  • Ansiolíticos (tranquilizantes)

  • Álcool

  • Inalantes (cola)

  • Narcóticos (morfina, heroína).

 

Sobre o ÁLCOOL, algumas considerações:

Um indivíduo pode se tornar um alcoolista como resultado final de uma interação entre déficits estruturais, predisposição genética/espiritual, influências familiares, perturbações obsessivas, contribuições culturais e outras variáveis ambientais associadas.

A avaliação e o tratamento do risco de suicídio deve fazer parte de todo o plano de tratamento de pacientes alcoolistas. Vinte e cinco por cento de todos os suicídios ocorrem em pessoas alcoolistas, e a probabilidade de suicídio das pessoas alcoolistas é 60 a 120 vezes maior que a de pessoas que não apresentam patologia psiquiátrica (Murphy e Wetzel, 1990)

 

 

DROGAS QUE AUMENTAM A ATIVIDADE MENTAL

 

ESTIMULANTES

Fazem o cérebro funcionar de forma mais acelerada. Estado de excitação constante.

Com a interrupção surgem sintomas depressivos: an­gústia, medo, pânico e ideias de perseguição. Perda de ape­tite, emagrecimento, insônia, intensa dependência física e psíquica.

Exemplos:

  • Cafeína

  • Tabaco

  • Anfetamina

  • Cocaína

  • Crack

 

DROGAS QUE ALTERAM A PERCEPÇÃO

 

ALUCINÓGENOS

Fazem o cérebro funcionar de forma alterada e/ou delirante.

 

Exemplos:

  • LSD,

  • Ecstasy

  • Maconha e outras substâncias derivadas de plantas.

 

Quanto à MACONHA vale destacar:

  • Euforia inicial e uma sensação de alegria e bem-estar.

  • Sonolência, sensação de relaxamento e fome.

  • Percepção de tempo e espaço alterados.

  • Desinibição e distorção da realidade.

  • Aumento da percepção dos sentidos como olfato, tato e gosto.

  • Com uso intenso, excitação de ânimo, diminuição da motivação, dificuldades de aprendizado e de tomada de decisões, (síndrome de desmotivação).

  • Diminuição da fertilidade (durante o uso)

  • Reação aguda de pânico. • Aparecimento de dependência psíquica.

 

POR QUE AS PESSOAS USAM DROGAS?

Estudiosos contemporâneos veem no comportamento aditivo o reflexo de um “déficit nos autocuidados”. A pessoa, usuária de drogas, não aprendeu a cuidar-se e a ter prazer naturalmente.

Hoje há um consenso de que os dependentes químicos possuem uma “deficiência na função reguladora dos afetos, no controle dos impulsos e na manutenção da autoestima”. (Treece e Kbantzian. 1986)

Isso indica que existe uma matriz psicodinâmica na base do problema dos indivíduos drogaditos e é por isso que eles têm muitos problemas de relacionamento.

Encontramos falhas de estruturação emocional em duas grandes áreas do apa­relho mental do dependente químico.

São elas:

1) FUNÇÃO DEFICITÁRIA NO CONTROLE DE IMPULSOS

As drogas proporcionam “saídas rápidas” ou “satisfação imediata”, e estas apontam para um dos males sociais do nosso século que é a aceleração generalizada no ritmo de vida que presenciamos atualmente, principalmente no mundo ocidental. A exigência sociocultural de saídas e resultados rápidos para os problemas cotidianos pressiona nosso sistema mental para funcionar numa velocidade que ele não consegue. Não há, sob o ponto de vista mental, possibilidade de resolução rápida para algumas coisas importantes. Um exemplo disso é o próprio amadurecimento emocional que precisa de tempo e experiências para ser efetivado.

O processo mental obedece a um mecanismo de digestão. Assim como os alimentos passam pelo aparelho digestivo e precisam de um tempo para o seu metabolismo, também a mente precisa digerir situações.

Algumas situações são menos “sólidas”, outras mais.

Aqui entra um dito da sabedoria popular que estamos acostumados a ouvir que é:

Saber dar tempo ao tempo.

Nesse contexto, importante falarmos um pouco sobre frustrações.

O conveniente são as “frustrações adequadas”. Des­tas, nascerá a capacidade para “pensar”.

Para entendermos o que são frustrações adequadas basta situar o que são frustrações inadequadas.

 

As frustrações inadequadas podem ser assim divididas:

 

1. Escassas;

São as que a mãe/pai resolve todas as situações pela criança, antecipa-se a tudo. Mães superprotetoras, ou pais que não querem que os filhos passem trabalho ou sofram. Muito comum em histórias nas quais os pais passaram por dificuldades quando eram crianças. Ouve-se com frequência:

‒ “Meu filho não vai passar pelo que eu passei!”

Importante salientar que as frustrações, desde que não sejam exageradas, são estruturantes para o desenvolvimento do caráter.

 

2. Exageradas;

 

É tudo com a criança. Esta fica com a incumbência de se tornar adulta precocemente. Normalmente os pais são infantis e despreparados ou então são rigorosos demais e querem “educar” os filhos com o que chamam de regras e disciplina.

 

3. Incoerentes;

 

São as duas anteriores juntas nos momentos mais imprevisíveis. Um verdadeiro estado de confusão. Normal­mente são pais confusos e despreparados e, para agravar mais ainda a situação, perturbados espiritualmente.

4. Indiferença;

A pior de todas. Os filhos são órfãos de pais vivos. Aqui está a ausência de interesse e envolvimento afetivo. Esse é o nascedouro dos transtornos de conduta e da delinquência.

 

2) CONTROLE DEFICITÁRIO DA AUTO-ESTIMA

Pessoas que apresentam falhas importantes na autoestima não sabem “auto cuidar-se”. Nesses casos houveram falhas importantes no seu desenvolvimento psicoemocional e ela não internalizou autocuidados. Algo ficou “congelado” no seu desenvolvimento afetivo.

A premissa básica é que “é preciso ser admirado para admirar”. “Ser cuidado para cuidar e cuidar-se”. Óbvio que esse não é o único fator causal, mas é evidente também que no estudo de casos de drogadição invariavelmente encontramos um histórico referente a esta descrição.

Por isso no tratamento de indivíduos usuários de drogas é necessário encontrarmos e enfatizarmos as qualidades da pessoa, pois assim fica permitida a retomada do desenvol­vimento da sua autoestima. Enquanto nos detemos apenas nas falhas e defeitos, amplificamos os problemas.

Esse é um aspecto de difícil entendimento, principalmente para os pais ou familiares do dependente químico, que normalmente fazem o contrário, isto é, detêm-se nas críticas e condenações, na tentativa de fazerem o “viciado” parar de usar a droga. É por isso que as fiscalizações dos pais, para saberem se ele está escondendo drogas, não funcionam. O que acaba acontecendo é que aumenta o nível de angústia e depreciação e, com isso, amplia o consumo.

Existe um mito de que a drogadição tem como última medida para solucionar o problema, a alternativa da interna­ção hospitalar. Concordamos que uma internação pode ser necessária, na urgência da desintoxicação ou como medida de contenção extrema, principalmente quando a pessoa está colocando a si mesmo ou aos outros em risco. Mas, essa é uma medida de emergência e não a solução final. Nos casos de internação de longo tempo, o que acontece é que o grupo assume externamente o controle que a pessoa não consegue fazer por si mesma, mas uma vez ela saindo de lá, se não tiver internalizado autocuidados, ficará novamente sujeita a voltar ao uso das drogas.

 

FATORES DE PROTEÇÃO CONTRA AS DROGAS

Simkin em 2002 fez um estudo em que apresenta al­guns elementos preventivos contra o uso de drogas. Des­tacamos:

  • Estabilidade do ambiente familiar e social

  • Forte vínculo pais-filhos

  • Disciplina e monitoramento constante por parte dos pais

  • Vínculo com instituições sociais (igreja, grupo de jovens, etc)

  • Amigos que não usem drogas

  • Campanhas antidrogas

 

 

FATORES ESPIRITUAIS

  • Predisposição do espírito ao tóxico através do uso de substâncias em outras existências

Na sua trajetória evolutiva, através das sucessivas reencarnações, em muitos momentos o espírito fez uso de substâncias. Precisamos lembrar que o uso do álcool, por exemplo, é tão antigo quanto o homem na sua história evolutiva. Considerando que o espírito reencarna e que carrega consigo, das outras existências, os registros vivos de suas experiências, deduz-se que a tendência à fuga emocional nos momentos difíceis, através do uso de substâncias, é uma tendência herdada dele mesmo, num mecanismo de fixação de hábitos e automatismos.

Conforme Joanna de Ângelis (Conflitos Existenciais, cap. 12, pág.138):

Não poucos viciados renitentes são vítimas do mesmo hábito que mantiveram em existência anterior, na qual mergulharam em abismo profundo e retornaram com as marcas da dependência que os consome, avançando para expiações muito graves no futuro.

 

  • Vinculações cármicas pelos relacionamentos doen­tios do passado

Se os hábitos reencarnam junto com a pessoa, também os vínculos afetivos, bons ou ruins, voltam novamente na nova oportunidade. O propósito da vida é a correção e o reajustamento, no entanto, as influências recíprocas e a falta de discernimento intelecto-moral, derrubam invariavelmente os protagonistas para os mesmos condicionamentos anteriores, num regime de reincidente influência negativa.

Ainda em Joanna de Ângelis (Conflitos Existenciais, cap. 12, pág.138):

Sob outro aspecto, as vinculações com personalidades psicopatas desencarnadas ou inimigos pessoais de outras experiências carnais respondem pela sua indução à dependência viciosa, na qual também se comprazem em mecanismos de vampirização cruel, em verdadeira interdependência espiritual.

  • As obsessões

Sem sombra de dúvida no capítulo da drogadição e do alcoolismo quem se entorpece está sempre acompanhado, seja no uso das drogas ou do álcool.

Deixamos a seguir, o estudo que a Dra. Marlene Nobre, em seu livro A Obsessão e suas Máscaras, faz do “Caso Cláudio Nogueira”, descrito por André Luiz no seu livro Sexo e Destino.

Cláudio Nogueira, homem maduro, na quadra dos quarenta e cinco janeiros, lutando contra os desgastes do tempo, tinha o rosto bem cuidado, os cabelos penteados com distinção, unhas polidas, e envergava pijama impecável. Naquele momento, acompanhava o jornal como quem estava à cata de notícias maliciosas, conservando entre os dedos um cigarro fumegante. O cinzeiro próximo já estava repleto, indicando o abuso da nicotina.

Repentinamente surgiram ambos os desencarnados infelizes que estavam na soleira da entrada, abordando Cláudio, sem cerimônia. Um deles tateou-lhe os ombros e gritou:

‒ Beber, meu caro, quero beber!

... o resultado não se fez esperar. O paciente desviou-se do artigo político no qual estava interessado e sem que pudesse explicar a si mesmo, passou a deslocar o pensamen­to noutra direção.

Beber, beber!... e a sede de álcool se lhe articulou na ideia, ganhando forma.

... o amigo sagaz percebeu-lhe a adesão tácita e colou-se a ele. De começo, a carícia leve; depois o abraço envolvente; e finalmente o abraço de profundidade, a associação recíproca. Uma verdadeira enxertia fluídica.

Cláudio-homem absorvia

o desencarnado, à guisa de sapato que se ajusta ao pé. Fundiram-se os dois, como se morassem eventualmente num só corpo. Altura idêntica. Volume igual. Movimentos sincrônicos. Identificação positiva.

Levantaram-se a um tempo e giraram integralmente incorporados um ao outro, na área estreita, arrebatando o delgado frasco.

A talagada rolou através da garganta, que se exprimia por dualidade singular. Ambos os drogaditos estalaram a língua de prazer, em ação simultânea.

Desmanchou-se a parelha e Cláudio, desembaraçado, se dispunha a sentar, quando o outro colega, que se mantinha à distância, investiu sobre ele e protestou: eu também, eu também quero!

Absolutamente passivo diante do apelo que o assal­tava, reconstituiu, mecanicamente, a impressão de insaciedade.

Bastou isso, e o vampiro, sorridente, apossou-se dele, repetindo-se o fenômeno da conjugação completa.

Encarnado e desencarnado a se justaporem. Duas peças conscientes, reunidas em sistema irrepreensível de compensação mútua.

André Luiz descreve assim essa parceria:

O verbo enrodilhar-se, na linguagem humana, figura-se o mais adequado à definição daquela ocorrência de possessão partilhada...

 

 

O FATOR EDUCACIONAL

 

O Dr. Sérgio de Paula Ramos, emérito psiquiatra e psicanalista de Porto Alegre, assevera com sabedoria, numa de suas magistrais aulas no Programa de Educação Continuada da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), sobre a importância da “função paterna” como um dos marcos mais eficazes da proteção contra o uso de drogas.

‒ Na pediatria, quando o bebê chora na maternidade o pediatra pergunta, “quem é a mãe?” – diz ele –

Na psiquiatria, quando surge o jovem drogadito, cabe perguntar, “quem é o pai?” ­

Pais que não sabem onde os filhos vão, com quem estão e o que estão fazendo, têm 12 vezes mais chances de usar drogas.

 

Pais e filhos são espíritos que caminham juntos na va­liosa oportunidade da família, onde a função procriativa do homem e da mulher imita a Deus, quando geram a existência de seus filhos.

A educação é o passo fundamental. Responsabilidade dos pais para com os filhos que, por sua vez, se tornarão recíprocos um dia, se não com seus pais diretamente, com certeza através de seus futuros filhos, na progressiva caminhada evolutiva em direção a um mundo melhor.

Concluímos com Joanna de Ângelis (Conflitos Existenciais, pág 143)

A educação, sem qualquer dúvida, desde a infância, é o recurso terapêutico preventivo mais valioso, porque é mais seguro evitar a dependência do que sair-se do seu cerco escuso.

 

 

 

Fonte: Revista A Reencarnação (Órgão de Divulgação da Federação Espírita do Rio Grande do Sul) - Nº 436 - ANO LXXIV - 2º semestre 2008.

[1] Médico. Autor do livro “Leis Morais e Saúde Mental”.

Os artigos publicados neste site são de responsabilidade de seus autores e não refletem necessariamente a opinião da Associação Espírita Obreiros do Bem.

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